segunda-feira, 12 de setembro de 2011

* MEU INFINITO PARTICULAR...

“[...] E se o que tanto busca só existe em tua limpida loucura
-que importa?-
isso, exatamente isso,
é o teu diamante mais puro!”


Mário Quintana


Escolhi falar sobre "Infinito Particular".
E a escolha se deu devido a ter contato com as músicas cantadas por Marisa Monte há anos e ter isso gravado em mim, como uma marca, como algo que carrego, sendo também algo que me acalma e proporciona bem-estar. Tive contato com as composições de Marisa Monte a partir de uma de minhas irmãs mais velhas, somos quatro irmãs, cada uma com um gosto musical diferente, foi fácil no meu desenvolvimento me afeiçoar aos gostos delas, desenvolvendo um gosto semelhante ao de todas, gostando da diferença e do que o contato com o novo me causa.
Tal música retrata muito mais do que parte de minhas preferências musicais, retrata a forma como gosto de pensar e encarar as situações adversas da vida. Penso que, enquanto uma obra de arte, seja uma forma de expressão carregada de sinais, sinais que se referem a quem a criou, a quem a interpreta e a quem se identifica. Ao ouvir tal melodia o sentimento que me toma conta é agradável, mas vai além disso, sou levada a pensar sobre as condições humanas, numa forma de estar em contato com uma parte de mim, uma parte que questiona e que reflete acerca de assuntos que penso serem importantes. Infinito Particular tem uma letra clara, é uma de minhas músicas favoritas e expressa a partir de uma melodia agradável a forma como interpreto a questão da individualidade. A música aborda aspectos particulares de cada pessoa, onde cada um tem seu melhor e seu pior, seus limites e seu valor, como no trecho:
“Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate [...]”

Gosto de pensar sobre como a música me chama a considerar o outro na sua essência, sobre estar “na cara” o que pensamos nos constituir, o fato de se retratar alguém leva a pensar-se em como entender um significado e fazer disso um retrato (não considero enquanto algo estático, mas plenamente mutável, apenas aludindo à música, considerando a relação entre entender veridicamente e retratar).
Todavia, ao se pensar num contato que proporcione tal encontro necessita-se mais do que o recurso da audição, a música traz articulações com sentidos e significações, onde ao se recordar de uma melodia, obtêm-se mais do que a composição, associa-se a lugares, pessoas, situações...
“[...] Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte [...]”

O “fazer sua parte” penso que implique numa receptividade em se abrir para uma escuta atenta, ativa. É a partir desta atenção que se criam condições para entender, dizer que não se é de outro planeta implica na ideia de semelhança, num sentido de que “fazer sua parte” corresponde a compreender outro ser humano.
Ao citar:
“[...] Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta bandeira de mim [...]”

O sentido expande-se para uma ideia que abrange a conceituação acerca de “ser porta bandeira de si”, onde se sabe que o casal correspondente ao mestre-sala e a porta-bandeira, no samba, são aqueles que devem apresentar com graciosidade o pavilhão da escola. Considerando que em certo ponto durante o desfile, é preciso que parem em frente aos jurados para apresentar sua dança e serem avaliados, sendo proibido que os dois dêem as costas um ao outro ao mesmo tempo. Assim, penso que o sentido se expanda por acarretar essa ideia de contato com um outro, para o qual não se pode dar as costas e com o qual, em harmonia, se será avaliado.
A música aborda a questão de como somos seres mutáveis e adaptáveis, de como carregamos características próprias a partir de nossas experiências e a forma que isso implica “num mundo portátil”, aberto a quem quiser conhecer, sendo mistério no sentido de estar oculto, mas não sendo segredo por poder ser revelado. Enfatizando a ideia de que se pode “consumir” parte do outro ao entrar-se em contato genuíno com este.
“[..] Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber [...]”

Na música são enfocados aspectos gerais de características particularizadas por cada pessoa, apreciando o contexto e as condições referentes a cada um, considerando-se assim que cada um tem “seu mundo”, seu “infinito particular”. Ao entrar em contato com a obra pela primeira vez, estava num campo de “não conhecer”, a partir de um maior contato pude fazer interpretações e refletir sobre a forma como me afetou. Por fim, a música traz a parte mais relevante, que fecha a ideia de uma forma plena, enfocando:
“[...] Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular”

Onde entende-se o infinito como algo que segue para sempre, norteando o pensamento para a possibilidade de que cada um tem em si um infinito a ser conhecido pelo outro, uma individualidade só nossa, repleta de características peculiares, explicitando a forma como nos entretemos infindavelmente num encontro de sujeitos do inconsciente.
A relação do método psicanalítico com uma obra de arte é muito peculiar, é necessário se colocar na posição de “não saber”, como revela Telles (1998), para conhecer um fenômeno, pois se entramos em contato com o fenômeno considerando nossos a prioris tendemos a explicá-lo e não a conhecê-lo, não deixando a realidade se mostrar de forma autônoma.
Considerando-se a música em questão, para entender é preciso mais do que o sentido da audição, é preciso se escutar de fato, não apenas a transmissão de sons, mas a transmissão de sentidos. Ademais, existe para o método psicanalítico a ideia de que a causalidade psíquica não opera leis universais, logo, o psiquismo responde a uma lógica havendo uma ordenação. Entretanto, com relação à questão do diagnóstico em psicanálise, associando-se o “tomar algo como pronto” a partir de um contato com uma obra, este se apresenta enquanto um embaraço técnico. Segundo Joel Dor, a relação entre um diagnóstico e uma indicação de um tratamento “não remete a uma relação de implicação lógica como é o caso na clínica médica” (1994, p. 15). Ainda pensando este tema, o diagnóstico se apresenta enquanto embaraço técnico para a psicanálise, pois se faz interessante ao psicanalista, posto que este pode vir a servir como norteador na produção da intervenção, não para ser divulgado ou para exercer controle sobre alguém. Porém, tal diagnóstico é impossível de ser feito, pois não se tem como saber anterior à intervenção qual é o funcionamento, para saber isso é preciso submeter o fenômeno a um atendimento psicanalítico, onde posteriormente faz-se possível o pensamento no sujeito inconsciente. É um paradoxo.
Neste tema, para Dor (1994) todo diagnóstico é um ato médico, sendo procedimento que recorre a técnicas verbais, entrevistas, anamnese, recolhendo-se informações, discriminando-se uma patologia de outra. Em psicanálise o diagnóstico será sempre um esboço, podendo sempre ser refeito. De modo que, "[...] o psicanalista não acrescenta um novo dizer. Ele permite as forças emocionais encobertas, em jogo conflitivo, encontrar uma saída ficando a cargo do consultor dirigi-las por si mesmo" (DOLTO, 1988, p. 10) Ao entrar em contato com uma obra somos tocados por ela, se estamos abertos a esta experiência, considerando que isto demanda desejo. Aludindo tal fato à metodologia psicanalítica, é possível se pensar acerca da realidade psíquica, onde em psicanálise existe apenas uma realidade, não considerando-se o que é real para aquele que nos traz a informação e o que realmente aconteceu, o que partiria de vestígios positivistas. Em psicanálise a realidade é sempre psíquica, abrangendo como o sujeito percebe, sendo toda realidade uma tentativa de produção de sentido. A partir do método pode-se enfocar que:


"A Psicanálise terapêutica é um método de pesquisa da verdade
individual para além dos acontecimentos cuja realidade não tem outro sentido
para um sujeito salvo a maneira pela qual lhe foi associado e por ela se sentiu
modificado" (DOLTO, 1988, p. 10)

Deve-se enaltecer que no campo do psíquico o funcionamento não corresponde ao biológico, mas ainda assim, responde a uma lógica, existindo uma ordenação, chamada causalidade psíquica. Faz-se importante pensar que "O psicanalista, suscitando a verdade do sujeito, suscita ao mesmo tempo o sujeito e a sua liberdade" (DOLTO, 1988, p. 12)
Para entrar em contato com o sujeito do inconsciente, a psicanálise faz uso de balizamentos, não sendo regras, mas norteando a atuação. É possível que mantendo-se no método, este seja de muita valia, e o grande método da psicanálise é a escuta. Utilizar-se da escuta não é tão fácil, é necessário que se ofereça receptividade e se comprometa de forma ativa, não estando apenas presente, mas prestando atenção. Sabe-se que o ouvir é o sentido mais difícil de conter, pois o som “invade”, isso é de fácil associação com a obra escolhida, onde apenas ouvir (captando sons através do órgão do sentido) não implica na escuta em questão. Esta depende de atenção, interesse, de uma receptividade oferecida para além do que se ouve, aberta ao sujeito do inconsciente, sabendo que também sou sujeito do inconsciente. Foi este sujeito do inconsciente que obrigou a psicanálise a inventar um método capaz de investigar o que os métodos positivistas não davam conta. O inconsciente é produção de sentido ou não sentido, sendo uma apresentação tardia na obra freudiana, em que aponta o inconsciente não como algo interno, oculto no homem (que decifrado apresentaria a verdade), o inconsciente não é um reservatório. Destarte, posiciona-se quanto ao papel do psicanalista que este "é o de uma presença humana que escuta" (DOLTO, 1988, p.13). Ainda sobre a tarefa deste profissional,


"pela sua presença, vai ajudar um indivíduo a articular a sua
demanda, a constituir-se na sua fala em relação à sua história, para extrair
finalmente, através de certa sequência, uma mensagem onde poderá ser vinculado a
um sentido". (MANNONI, 1988, p. 31)

O que norteia a atuação a partir da metodologia psicanalítica são os balizamentos clínicos, metapsicológicos (constructos) e metodológicos. Sobre os clínicos não pensando-se a nosografia, sobre a metapsicologia pensando entender o funcionamento psíquico a partir das psicanálises, e sobre os metodológicos buscando se manter no método, numa conduta que crie condições para o encontro psicológico, no levantamento do sujeito do inconsciente. Tornando nítido que é a partir da escuta que se entra em contato com o sujeito do inconsciente, se dando de inconsciente para inconsciente, não tendo a pretensão de controlar tudo, mas se colocando em condições de se encontrar com o sujeito do inconsciente não apenas ouvindo.
Faz sentido?

Referências Bibliográficas:

CAMILO, A.; FRAYSE PEREIRA, J. A.; TELLES, V. S. Psicogiagnóstico: Instrumento de Revelação? In: Anais do I CONPSIC. São Paulo, Conselho Regional de Psicologia, 1998.

DOR, J. Estruturas e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro : Taurus, 1994.

MANNONI. M. A primeira entrevista em Psicanálise. Rio de Janeiro: Campus, 1988.

4 comentários:

Pedro disse...

Caramba, seu infinito particular é bem psicanalítico, não? :)

... o que te ganha e o que te perde?

... a intensidade é a profundidade D'água do oceano ...

Morena Dos Olhos D'água disse...

Meu infinito particular vai além de qualquer psicanálise... muito me interessa como isso seria de outro ponto de vista :)
"...a intensidade é a profundidade d'água do oceano..."
Talvez por isso eu não "tire meus olhos do mar"...

Pedro Milanesi disse...

... olhar o mar sempre me revela coisas... Gosto do mar! Mas, as vezes ele me dá medo!

Psicanálise todo dia disse...

Gostei muito